Alcoolismo: um grave problema de saúde pública

Autoras: Marina Ferreira de Medeiros Mendes, Coordenadora de Atenção à Saúde do DQV/UFRPE, Doutora em Saúde Internacional - IHMT- Portugal; Luiza Andrade de Oliveira, Médica Psiquiatra do DQV/UFRPE.

O consumo de bebidas alcoólicas faz parte das sociedades contemporâneas. A maioria das pessoas não desenvolve uma relação prejudicial com o álcool, mas seu uso nocivo causa danos individuais e coletivos [1].  O pesquisador Benjamin Rush, em 1791, ajudou a definir a dependência química: “beber começa como um ato de vontade, caminha para um hábito e finalmente afunda na necessidade” [2].

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define uso nocivo de álcool como aquele com consequências sociais e de saúde - tanto para o consumidor quanto para as pessoas próximas a ele e para a sociedade em geral - ou quando o padrão de uso está associado a maior risco de danos à saúde [1,3]. O uso nocivo de álcool é responsável pela morte de mais de 3 milhões de pessoas por ano, representando 5,3% de todas as mortes no mundo [1,4].

Em relação aos padrões de consumo, a OMS ressalta que não há um nível de álcool que seja absolutamente seguro. Os riscos aumentam, especialmente se a pessoa bebe mais de duas doses por dia e/ou se não deixa de beber pelo menos dois dias por semana [1,2].

 Dose padrão praticada no Brasil: 14 gramas de álcool puro, o que equivale a 350 ml de cerveja/chope (5% de álcool), ou 150 ml de vinho (12% de álcool), ou 45 ml de bebidas destiladas (40% de álcool).

Um padrão de consumo nocivo que considera a quantidade de álcool em uma única ocasião é o Beber Pesado Episódico (BPE) ou binge drinking, em que há consumo de grandes quantidades de álcool em curto período de tempo, atingindo altos níveis de alcoolemia (em torno de 0,08 g/dl). Essa concentração alcoólica no sangue geralmente é atingida após quatro doses para mulheres e cinco doses para homens, em aproximadamente 2 horas. E esse consumo pode resultar em danos à saúde e à segurança, como acidentes de carro e ferimentos [1,3].

O consumo de baixo risco considera o não engajamento em BPE e uso com os seguintes limites: homens - até quatro doses por dia, sem ultrapassar 14 doses por semana; mulheres e idosos - até três doses por dia, sem ultrapassar sete doses por semana [1]. A etiopatogenia dos Transtornos por Uso de Álcool é multifatorial, envolvendo fatores biológicos, psicológicos/comportamentais e sociais.

A pandemia de COVID-19 vem desde o início de 2020 representando uma grave ameaça à saúde pública e trazendo mudanças para o mundo contemporâneo, como períodos de isolamento, altas taxas de desemprego, crise econômica e mais de cinco milhões de mortes [3]. Essas alterações vêm se mostrando uma grande ameaça à saúde mental, podendo ter como resultado surgimento de ansiedade, depressão, estresse, sentimentos de solidão, raiva e problemas de sono. Boa parte desses sintomas é considerada fator de risco para manutenção do uso nocivo de álcool [1,3].

Para redução da carga causada pelo uso nocivo de álcool, a OMS recomenda as seguintes estratégias: regular a comercialização de bebidas alcoólicas; regular e restringir a disponibilidade de álcool; promulgar políticas adequadas de condução sob os efeitos do álcool; reduzir a demanda por meio de mecanismos de tributação e preços; sensibilização para os problemas de saúde pública causados pelo uso nocivo do álcool e garantia do apoio a políticas eficazes; fornecer tratamento acessível para pessoas com transtornos relacionados ao uso de álcool; e implementar em serviços de saúde programas de identificação e intervenção breve para consumo perigoso e nocivo de álcool [4].

O Departamento de Qualidade de Vida (DQV) da UFRPE apoia e desenvolve ações de prevenção e orientação sobre o tema, por entender o alcoolismo como um problema social e de saúde pública, que traz graves consequências no que diz respeito à exclusão dos sujeitos individuais e coletivo. No entanto, o problema não depende só do setor saúde, é necessária uma ação intersetorial integrada, coordenada e coerente. É imprescindível garantir investimento contínuo e avaliação. O compromisso político deve ser assumido pelo país no mais alto nível da gestão pública, para que se considere o uso nocivo do álcool como uma prioridade de saúde pública, reconhecendo-se o seu enorme impacto, devido ao custo sanitário, social e econômico.

Referências

  1. MIGUEL, Eurípedes C. Clínica psiquiátrica: as grandes síndromes, volume 2. 2 Ed. Barueri, SP: Manole, 2021.
  2. DIEHL, Alessandra. Dependência química: prevenção, tratamento e políticas públicas. 1 Ed. Porto Alegre: Artmed, 2011.
  3. Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), Álcool e a Saúde dos Brasileiros: Panorama 2021 [Internet]. São Paulo: CISA, 2021. Disponível em: https://cisa.org.br/index.php/biblioteca/downloads/artigo/item/304-panorama2021. Acesso:07/02/22.
  4. Organização Mundial de Saúde (OMS). Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Álcool. 2021. Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/alcool. Acesso em 06/02/22.